Licenciamento: Negócio da China



Essa semana comecei a ajudar minha mãe a estruturar um curso que ela vai dar na graduação da ESPM. Um curso sobre Licenciamento, que é a especialidade dela. Minha mãe sempre trabalhou com o licensiamento de produtos de consumo, primeiro na Disney e depois na Warner Brothers aqui no Brasil. Segue a minha visão sobre o licenciamento, diferente do licenciamento de produtos de consumo, uma visão mais estratégica e ligada à inovação.



Licenciamento: negócio da China

Licenciar é a relação dada entre dois agentes, um detentor de propriedade intelectual e outro detentor de uma competência que não é o core do primeiro. Assim, uma empresa como a Warner Brothers ou a Disney licenciam seus personagens para que outras empresas possam criar produtos e serviços com os mesmos e aumentar a atratividade para ambos os negócios. Nesse caso, é uma aliança entre duas organizações que visa o benefício mútuo, uma por poder vender algo que é o seu core competence e a outra por promover sua marca e ganhar Royalties. Basicamente, o licenciamento acontece quando os custos de transação para se realizar tais ações fica exageradamente alto devido à especificidade dos ativos; assim, “terceiriza-se” a realização dessas ações com um contrato de Licenciamento.

Essa é a visão tradicional do licenciamento, cujo objetivo é aumentar a receita e a atratividade de determinadas marcas. Porém, se analisado mais a fundo, o licenciamento pode ser uma poderosa ferramenta estratégica de inovação. Muitos de nós conhecem conceitos básicos de Microeconomia, mais especificamente, da competição das decisões estratégicas racionais. Desses conceitos, pedimos para que se lembrem da teoria dos jogos: jogos sequenciais, equilíbrios de Nash e, principalmente, a competição de Stackelberg e o conceito de Stackelberg Líder.

Tratando de uma estrutura de mercado oligopolística, temos poucas empresas concorrendo e as ações de uma impactam diretamente nas ações da outra. Como exemplos disso podemos enumerar as telecoms do Brasil, diversos setores ligados à tecnologia e vários outros que se encaixam, de modo geral, nos pressupostos do modelo.

Nessa estrutura aparecem alguns conceitos diferentes para se entender a competição, tais como as curvas de reação de Bertrand quando a competição é essencialmente por preço, as matrizes de pay-off, o equilíbrio de Nash, que em síntese diz que os jogadores tomarão a decisão que maximiza o bem estar deles e do grupo, simultaneamente.

Voltando ao que foi dito acima do Stackelberg Líder, dizemos que um jogador é Stackelberg líder quando ele faz um movimento que influencia a a jogada do próximo jogador de modo que este último esteja em desevantagem por ter demorado a jogar. Um exemplo clássico disso é o das duas empresas de sucrilhos decidindo sobre produzir ou não uma linha de sucrilhos de um determinado sabor. Quem produzisse o novo sabor primeiro, ganharia mais market-share e se dificultaria a entrada da outra empresa nesse segmento, esse jogador é chamado de Stackelberg Líder.

Acontece que o modelo, pelo simples fato de ser um modelo, reduz a realidade a elementos quantificáveis e acaba excluindo alguns fatores da análise. Um deles seria a propagação e implementação da jogada do Stackelberg Líder. Imagine o mesmo exemplo do sucrilhos. A decisão tomada pelo board de diretores em produzir o novo sabor precisa passar por todas as áreas de organização até que o produto chegue, de fato ao consumidor. Um fator limitante disso é a estratégia e a eficiência dos canais de distribuição da empresa. Dessa forma, se fossemos adicionar o "tempo de implementação" no modelo de Stackelberg, teríamos um modelo mais completo, mas também muito mais complexo e difícil de modelar e interpretar. Mas talvez nem seja essa a intensão do modelo, simplificar a realidade para poder explicar outros fatores da decisão estratégica, como o fato de tomar ou não tomar a decisão.

Voltando para o Licenciamento e a estratégia, analisaremos as decisões estratégicas sob uma ótica, visão baseada em recursos. Para refrescar a memória, esse é o modelo que define uma vantagem competitiva pelas quatro perguntas acerca de um recurso: É valioso? É raro? É difícil de imitar? A organização tem capacidade para utilizar esse recurso? É vantagem competitiva sustentável todo aquele recurso que responde positivamente a essas perguntas.

Agora, considere o papel das inovações no atual ambiente de negócios. Ela está presente em quase todos, senão todos, os segmentos da economia. A inovação serve para mudar o ponto de equilíbrio do mercado e aumentar o patamar da competição entre as empresas. Nesse caso, fica evidente o conceito de Stacklberg Líder na dinâmica competitiva. Na realidade, isso fica bastante evidente em mercados de alta tecnologia, pois a velociadade da inovação é extramente alta.

Porém, nesses mercados, assim como em muitos outros existem obstáculos entre a empresa e o consumidor final. Tomemos como exemplo a famosa guerra de formatos entre a JVC e a Sony pelos formatos de VHS e Betamax para armazenamento e reprodução caseira de vídeo. Analisando isso por uma matriz de pay-off teríamos que, se ambas lançassem os seus formatos, o mercado perderia valor, seus consumidores perderiam bem-estar e liberdade de escolha. Isso dado que a decisão entre aparelhos que lessem cada formato é mutuamente excluisva, ou seja, comprando um aparelho JVC exclui o consumidor de ler mídias Betamax e vice-versa. Também era uma escolha complicada para as produtoras de conteúdo, que teriam de escolher adotar o Betamax ou o VHS para lançar seus filmes.

Esse tipo de escolha é bastante presente nos setores de tecnologia pois envolvem formatos e compatibilidade entre vários elos da cadeia de valor, chamaremos essa de compatibilidade de formatos. Pela ótica de Porter, seria uma compatibilidade necessária entre os fornecedores, a indústria em competição e o consumidor. Pense numa produtora de filmes. Ela precisaria garantir que o material comprado dos fornecedores(fitas de vídeo, no caso) fosse compatível com o equipamento reprodutor de mída do consumidor final; caso contrário, ela encalharia seu conteúdo nas prateleiras e destruiria valor. Em outras palavras, esse seria o Consumer Lock-In, para depois realizar o Competitor Lock-out(ambos os termos retirados do modelo Delta de análise estratégica).

Há vários exemplos de guerra de formato nos segmentos tecnológicos. O Blu-Ray e o HDVD, Windows e Macintosh, Office e Open Office, Flash e Silverlight, Iphone OS e Android enfim, vários. Algo que contribui para isso é que nesses setores de tecnologia e, principalmente, software, é mais fácil de se implementar um mecanismo de open innovation. Isso ocorre pelo simples fato de o fluxo de informações sobre a “engenharia” desses produtos ser muito intenso e, no caso de alguns softwares como Sistema Operacional Linux, de terem seus códigos abertos. Isso tráz outra discussão para a mesa. A dicsussão dos direitos sobre propriedade intelectual. E é aqui que isso se relaciona ao licenciamento e à vantagem competitiva.

Não entraremos em detalhes sobre o setor de tecnologia mas é importante ter em mente o conceito e as conseqüências dos códigos abertos, e da idéia de Customer Lock-in.

Abstraíndo um pouco e indo para o âmbito conceitual, o licenciamento é meio caminho entre o código fechado e o código aberto. O código fechado é caracterizado por ter-se uma patente acerca de uma propriedade intelectual e, conseqüentemente, liberá-la somente por meio de contratos de concessões com terceiros, visando ter o ganho de especialização proporcionado pela entrada desses actantes na cadeia de valor da empresa. Isso é o licenciamento. O código aberto, por sua vez, seria ter essa propriedade intelectual disponível para utilização e melhoria de qualquer um. Um ambiente wiki, por exemplo. Foi nisso que se baseou a Wikimedia para chegar ao seu tamanho atual e é nisso que se baseia o Google para difundir alguns de seus produtos.

Considerando uma inovação que requer um formato, a empresa dona dela precisa difundí-la o mais rápido possível para travar o mercado para poder aproveitar as vantagens de um Stackelberg Líder. Voltemos para o caso da JVC e da Sony. Quem ganhásse a competição dos formatos teria uma vantagem competitiva sustentável durante um longo horizonte de tempo, que seria até a próxima guerra de formatos, que terminou com a coroação do DVD. Note que nessa competição a Sony visou o benefício no curto-prazo e evitou de licenciar o seu formato Betamax. A JVC, por sua vez, licenciou o VHS para que várias empresas pudessem produzir o VHS. Não se sabe ao certo, mas talvez isso tenha ocorrido pelo fato da produção das mídias em si não serem o Core Competence da JVC, mas sim a criação de novas tecnologias. Acabou que a JVC essa guerra de formatos pelo simples fato de muitos consumidores terem adiquirido equipamentos de diferentes marcas que lessem o formato VHS e não o Betamax, que era produzido apenas pela Sony. Isso trouxe para perto da JVC os estúdios que visavam atingir os consumidores finais, que não teriam como comprar as fitas se fossem em formato Betamax.

Essa guerra de formatos pode parecer antiga, mas existem vários exemplos de como ela reflete temas atuais da estratégia empresarial. Na era da informação os formatos ganham mais importância. A integração das cadeias evidencia cada vez mais a lei de Metcalfe que diz que a utilidade de um aparato social depende de quantas pessoas ou instituições o usam. Por exemplo, um telefone sozinho não serve para nada. Na medida que mais pessoas adiquirem telefones, as combinações possíveis entre pares de telefones aumenta a utilidade de se ter um telefone, e a utilidade marginal de um telefone é crescente.  

Agora, pense em como, nesse caso do telefone, como a empresa que criou o telefone e detém a sua patente pode fazer para difundí-lo. Se a competição não for intesiva, ela pode produzir e vender para todo o universo de consumidores. Porém, numa situação real, sabe-se que a competição é intensiva e há várias dificuldades com os canais de venda para atingir os consumidores desejados. É aí que entra o licenciamento como ferramenta estratégica. A empresa de telefones pode licenciar o telefone para que várias outras empresas possam vender o aparelho e pagar Royalties. Possivelmente, poderia também licenciar o aparelho e ganhar na venda do serviço de telecom. No caso de se usar a telecom, o licenciamento vira uma ferramenta estratégica pois garante que a rede de pessoas que possuem o telefone e, por conseqüência, usam o serviço, adiquira um papel de vantagem competitiva sustentável da empresa. Essa grande rede é valiosa para a empresa, pois é dela que a empresa pode faturar numa série de formas, é rara e difícil de imitar pois é algo socialmente construído e que envolve um alto custo de mudança por parte dos consumidores. Para responder à última pergunta da análise VRIO, depende da empresa, mas sabendo utilizar isso, ela terá uma vantagem competitiva susntetável por um longo horizonte de tempo, ou até outra inovação como o VoIP acontecer.

Juntando os conceitos apresentados, analise o caso da Media Tek, empresa Taiwanesa atuando na Índia/China. O mercado de celulares naqueles países é oligopolista, enfrenta problemas de distribuição e está em alto crescimento.

Lá, e como em qualquer outro mercado de telecom, os consumidores trocam de aparelho frequentemente. Por isso, a Media Tek precisava garantir que o próximo aparelho dos consumidores também fosse seu.

Alguns pontos importantes desse mercado são a aceitação de "pirataria" e a estrutura de produção dos aparelhos. Os consumidores adoram os novos produtos como Iphone 4 e etc, mas não ligam de ter um aparelho que se pareça com ele, mas seja de outra marca e com outras funções. É caro também contratar uma grande fábrica pois acaba-se perdendo competitividade devido à concentração delas ser bastante diferente a distribuição de seus consumidores.

Nesse cenário a Media Tek adotou a seguinte estratégia: desenvolveu aparelhos simples e licenciou a produção desses. De forma semelhante ao que fez a JVC para ganhar da sony na era do VHS. Os celulares eram de fácil montagem e poderiam ser manufaturados em qualquer fabriqueta de qualquer cidade do interior. Assim, conseguiram inundar o mercado com celulares rasoavelmente bons, parecidos com os mais novos modelos do ocidente. Mataram o problema da distribuição e da velocidade de propagação de uma inovação numa jogada só.

Com a rede de fornecedores criada, a Media Tek consegue, agora, trazer um novo produto ao mercado em 1 ou 2 meses; tempo que antes variava de 6 a 9 meses. E essa mesma rede se tornou um diferencial competitivo deles e atende os critérios VRIO.

É assim que se usa o licenciamento para desenvolver vantagem competitiva sustentável.

Para ler o caso da Media Tek publicado na Harvard Business Review, clique aqui.


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